Entrevista

Sandro Salvador: o maestro dos cães

Sandrinho, tu não estás aqui por acaso.

Na verdade, quem te trouxe foi o Lucho… e depois a Paloma.

Ao que parece, as aulas têm corrido tão bem que vocês, basicamente, inventaram o “remote” das aulas caninas:

Rio de Janeiro → Lisboa, Westie → Golden.

Hoje queremos perceber melhor esta ponte Brasil–Portugal — e como é que um músico apaixonado deixou os tambores encostados para afinar relações entre cães e tutores.

Começo da história

Como é que tudo começou?

Tudo começou quando eu tinha uns 7,8 anos. Meus pais compraram uma casa de praia onde passávamos os finais de semana e lá me deram o Snoopy (criança dos anos 80), meu primeiro cão. Eu contava nos dedos os dias para voltar pra lá e revê-lo.

O cão que me levou ao adestramento foi o Fubá, meu Bulldog Francês que adquiri na fase adulta. Sempre fui fascinado por essa arte de treinar cães e ele precisava bastante. Aí fui buscar livros sobre o assunto até que conheci o programa do César Millan, o encantador de cães. Aí minha cabeça pirou. “Quero ser ele”

Aí fui atrás de cursos, me especializar. Comecei ajudando uma mulher, a Aline, amiga de uma amiga. Eu estava numa feira no meu bairro e ela nos apresentou. Ela estava com a Tita, sua cadela com mistura de Pitbull que não podia ver cães.

Pedi para manejar ali mesmo e em 5 minutos ela estava ao lado do Fubá, sem agredir. Foi minha primeira cliente.

Snoopy
Fubá

Quais são, para ti, as diferenças essenciais entre as aulas presenciais no Rio de Janeiro e este modelo remoto que estás a desenvolver connosco em Lisboa e noutros lugares?

Quando estou presente fisicamente eu posso manejar o cão primeiro e pedir para os donos repetirem. No modelo remoto eles seguem a minha orientação, porém como não são especialistas, e reabiltar cães não é nada fácil, minha orientação tem que ser bem precisa para que tudo dê certo.

O que é que podes partilhar — técnica, dinâmica, surpresas — sobre trabalhar com cães e tutores através de uma câmara?

Não basta ter conhecimento, vivência… É preciso saber passar isso para quem está fazendo a aula. Eu já sei onde as pessoas podem errar ou ter mais dificuldade. Eu peço vídeos deles fazendo os treinos, pois através dos vídeos consigo identificar os erros e orientá-los para o acerto. Tem hora de motivar mas também tem hora de cobrar. Então saber lidar com pessoas é fundamental. No remoto, muito mais.

Raças tão diferentes, mesma sintonia?

Westies e Goldens têm personalidades quase opostas.

Como foi para ti acompanhar estas duas realidades tão diferentes ao mesmo tempo?

A espécie vem antes da Raça, ambos são cães e mesmo sendo de raças diferentes, podem ter características bem semelhantes. Isso tem a ver com a posição do cão na matilha. Todo cão tem instinto de caça, defesa, matilha e agressão social. A natureza faz cada um de um jeito. Cães não são iguais, mesmo sendo da mesma raça. Temos cães confiantes, cães inseguros, cães de energia alta, cães de energia baixa.

A especificidade da Raça nos ajuda a entender características específicas de cada uma que precisam ser supridas. Existem raças geneticamente inatas pra Caça (Terriers), outras pra Guarda (Rottweiler), outras para companhia (Shi-tzu)

Westies são terriers, nasceram para caçar. Goldens são Retrievers, trazem coisas. São otimos nadadores também.

Eles estão a dar-se bem? Há aprendizagens cruzadas entre eles e entre os tutores?

Estão! Ambos são sociáveis com cães e pessoas. Isso ajudou muito na adaptação.

O “remote canino” é tendência?

Eu acredito que sim, apesar de existirem casos bem complexos. Mas para a maioria dos casos, é uma ótima solução pra quem gosta de um profissional mas mora distante dele.

Tu praticamente inventaste o treino canino remoto.

Tens recebido muita procura de pessoas fora do Brasil?

A pandemia criou essa demanda pois quem tinha cães ficou trancado com eles. E muitas pessoas adquiriram cães pra ter companhia.

Eu tenho cães treinados em Portugal, EUA, Canadá, Alemanha, Austrália, Holanda e Israel. Me enche de alegria poder ter ajudado tanta gente tão longe!

Quais são as maiores vantagens deste formato — e onde é que ainda sentes resistência ou estranheza por parte dos tutores?

A maior vantagem é que os donos são quem mexem de fato no cão. Esse é o real objetivo: que os donos de cães entendam seus caes e aprendam a se comunicar com ele. Eu já sei rrsrs

A maior dificuldade é justamente querer terceirizar a educação do cão. Tem muitas pessoas que não querem treinar, querem pagar alguém pra fazer por eles. E isso não existe. Se só eu fizer, só vai funcionar comigo.

Brasil vs. Portugal

Quais são, para ti, as maiores diferenças entre brasileiros e portugueses na relação com os cães?

Acho que a ligação do brasileiro com o cão é um pouco maior, emocionalmente falando. O vira-lata caramelo é praticamente um símbolo nacional rsrs

Mas todos os meus clientes portugueses são ótimos e dedicados aos seus cães e ao estilo de vida que devem levar.

O Brasil é um mercado enorme e parece levar muito a sério a ideia de que o cão é família.

Como é que vês essa comparação cultural?

O brasileiro é um povo muito carinhoso de modo geral e o cachorro é uma paixão nacional. Tem cachorro aqui que vive melhor que humano rsrs

Mas também tem lugares onde o cão tem apenas função de guarda e/ou vive só dá porta pra fora, fica só no quintal.

A paixão pelos cães — quando foi o clique?

O clique foi quando eu conheci o programa do Cesar Millan, estava infeliz trabalhando com venda de equipamentos fitness (Sou formado em Educação Física pela UFRJ) e reabilitei a Tita, sem ter feito curso. Foi o clique: “Eu tenho dom pra isso”

És assumidamente apaixonado por cães.

Quando é que decidiste trocar a guitarra, o palco e o Sandro-músico pelo Sandro-treinador?

Houve um momento claro? Uma história que te virou completamente para este caminho?

A música ainda ocupa um pequeno espaço na minha vida. É bem difícil largar rsrs. Trabalhar com música, arte é um presente. Mas a Tita realmente mudou a minha trajetória.

Os “instrumentos” do adestramento

Quais são os instrumentos necessários para fazer “tocar” a relação entre um cão e o seu tutor?

Há técnica? Há emocional? Há ritmo?

Onde é que, para ti, começa a música entre os dois?

Quando eu primeiro, ouço. É fundamental saber ouvir pois cada pessoa é de um jeito. Cada cão também é de um jeito, então cada trabalho é de um jeito.

É preciso ter muita sensibilidade para acessar as pessoas com suas dificuldades, crenças, traumas, contextos e trazer para a mesma sintonia, para a mesma batida, pro mesmo passo. Quando acontece, o cão agradece, a pessoa agradece e eu tenho meu objetivo alcançado. Nem sempre acontece, mas eu sempre entro para dar 10/10.

Os teus cães

Queremos ouvir as histórias dos teus cães.

Quem são? O que te ensinaram?

E de que forma cada um moldou a tua abordagem como treinador?

Aí o coração aperta. Sou muito grato a todos eles. Snoopy, Pingo, Fubá, Rocky e Moe (que já se foram) e Fadú e Caju, que estão comigo.

Snoopy e Pingo foram cães da infância, então eu só brincava com eles.

Fubá e Rocky foram grandes caras, o começo de tudo. Fubá me ensinou a ter paciência e Rocky me ensinou tudo sobre gentileza.

Fadu é faixa preta em ignorar cães desequilibrados. Essa sereniade e plenitude me pegam também

Moe é o grande amor da minha vida, que me levou para um outro patamar de adestramento e conexão com um cão.

Caju veio logo após a morte do Moe e ele é um sol na minha vida. Chegar depois do Moe era tarefa difícil, mas ele é tão incrível e radiante que tirou de letra. Esse dog me bota para cima todos os dias.

Moe e Caju são titulados como Cães Acompanhantes. Tiraram o certificado da prova de BH com ótimas notas. Moe, aos 9 anos e Caju com 1 ano e meio.

Moe
Caju

O futuro

Para onde achas que caminha esta profissão?

Mais remoto? Mais ciência? Mais comunidade?

A ciência tem um papel fundamental. Senão podemos cair em ideologias baratas e perigosas, que prejudicam os cães e a cinofilia.

Nada do que faço é baseado em achismo. Estudei e estudo bastante pra oferecer o melhor para quem me contrata.

Acho que a comunidade + remoto tem tudo pra crescer com as redes sociais e a tecnologia. Trazendo informação de qualidade e ajudando de fato os cães e suas famílias.

E que papel achas que plataformas como o Bone Appétit podem ter nessa mudança?

Justamente trazendo conteúdo de qualidade em diferentes áreas do mundo canino, conectando pessoas e seus cães a viverem uma vida de real bem-estar. Cães compreendidos e com suas necessidades supridas e pessoas podendo oferecer as melhores experiências para eles.

E o que estás a achar do programa de TV ?

Acho muito interessante. Muitas pessoas gostam de dar alimentação natural cozida aos seus cães. E muitos não sabem o que dar e como fazer.

Casa no Brasil?

O programa vai pegar em cheio esse público que vai poder oferecer uma comida especial para seus doguinhos. Casamento de cinema rsrs

E, já agora:

achas possível estender esta entrevista para um formato mais próximo de “consulta aberta” para a nossa comunidade — e, quem sabe, dares algumas aulas a quem precisar?

Sentimos que muita gente beneficiaria desse conhecimento direto.

Será um prazer, meu trabalho é ajudar cães e suas famílias. É isso que me faz feliz!

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